O que é Engenharia Jurídica
Evolução da profissão jurídica
A profissão jurídica evoluiu na história juntamente com o Direito e como uma função das tecnologias que o apoiam.
Atualmente o Direito está em sua terceira revolução tecnológica, com cada revolução aumentando a complexidade do problema de maneira exponencial e demandando um aprofundamento e sofisticação das profissões jurídicas.
1ª revolução: língua (oralidade)
A primeira foi a invenção da língua. Quando humanos começaram a falar, passou a ser possível modelar comportamentos centenas de vezes mais complexos que os comportamentos de outros animais que vivem em grupos1.
O Direito passou a ser formalizado, porém de maneira ainda simples, como fórmulas verbais (normalmente mnemônicas) para representar regras, e parábolas para representar princípios gerais.
Nessa fase o único profissional do Direito que existia era a versão primitiva do Juiz: uma autoridade (ancião, rei, cacique etc.) que adjudicava disputas entre humanos que eventualmente se desentendessem sobre o que haviam combinado e o comportamento que um esperava do outro.
2ª Revolução: escrita
A segunda revolução ocorreu com o advento da escrita. Ao formalizar o Direito em texto, passou a ser possível formalizar ainda mais as regras e aplicar princípios de maneira muito mais sistemática e estruturada. A escrita também permitiu que regras jurídicas fossem padronizadas e aplicadas de maneira consistente em grupos muito maiores de humanos, passando de dezenas ou centenas para dezenas de milhares ou até mesmo milhões de pessoas utilizando o mesmo jogo básico de regras e princípios.
O problema era que com essa padronização e sistematização veio também um aumento de complexidade. Começou a não ser mais possível para as pessoas comuns saber todas as regras aplicáveis, exceções e procedimentos. Nessa fase surgiu o advogado, um profissional especializado que se dedicava a conhecer o Direito para argumentar, em favor da parte no negócio, o seu lado em uma disputa (papel remediativo), bem como auxiliar na preparação e negociação de negócios complexos (papel consultivo ou preventivo).
3ª revolução: computadores
A terceira revolução ocorre agora com o uso de computadores, que passam a ser capazes de automatizar a execução de regras contratuais ou legais, para aumentar o escopo do Direito, já que os agentes ou participantes do sistema passam a ser não apenas humanos, mas sistemas de computador também.
Afinal, as partes querem conciliar contas e efetuar a transferência de bens de maneira automática, e diversos serviços passam a ser prestados diretamente por sistemas informáticos, sem intervenção humana ou com participação reduzida de humanos no processo.
Passou a ser impossível para uma sociedade moderna funcionar não embarcar a infraestrutura do Direito dentro dos sistemas que mediam praticamente todas as trocas econômicas atuais.
Só que esse trabalho de trazer o Direito para os sistemas de informática começou inicialmente sendo feito por programadores, que não entendem nem 1% de como funciona esse gigantesco arcabouço conceitual que é o Direito, com séculos de heurísticas e soluções para os problemas já documentados e em pleno funcionamento.
Surge aqui a necessidade de um profissional que faça a ponte entre o Direito tradicional e analógico com o Direito Computacional.
O que é engenharia jurídica
Para automatizar a aplicação do Direito, é preciso mecanizar e explicitar várias etapas que dependem hoje de seres humanos aplicando heurísticas, aplicando Direito Computacional ao conhecimento jurídico tradicional.
Surge assim um novo profissional do Direito, o engenheiro jurídico.
Engenharia é o ofício de projetar, testar e construir máquinas, estruturas e processos de fabricação usando matemática e ciências. É uma disciplina dedicada à resolução de problemas. Entre os diversos tipos de engenharia existe o ramo de engenharia de conhecimento (knowledge engineering), que se refere a todos os aspectos técnicos, científicos e sociais envolvidos com a construção e manutenção e uso de sistemas baseados em conhecimento.
No ramo do Direito, o profissional que faz essa ponte entre o conhecimento jurídico e a implementação de sua lógica em sistemas digitais é o engenheiro de conhecimento jurídico (legal knowledge engineer), ou engenheiro jurídico para abreviar, até porque separamos as diversas dimensões da engenharia jurídica em especialidades.
História da engenharia jurídica no Brasil
A Looplex foi pioneira na criação da profissão de engenharia jurídica no Brasil, começando nossas operações em 2017. Criamos lá atrás o Lawtex®, uma linguagem de programação exclusivamente para expressar lógica jurídica em um formato compreensível por máquinas e humanos.
O Lawtex é uma linguagem de domínio especializada (domain language), mas ela não se destina a pessoas na área de TI; em vez disso, desenvolvemos ela para o uso por profissionais do Direito. pessoas de “humanas”, que não precisavam ter conhecimento prévio de ciência da computação e análise de sistemas.
Em parceria com a Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas e com a Universidade de São Paulo, criamos matérias optativas para alunos de Direito e cursos especializados em programação para advogados. Mais de 1.000 profissionais passaram pelos nossos cursos, workshops e palestras sobre engenharia jurídica no Looplex Academy.
Essa primeira fase da empresa foi um sucesso. Com o Lawtex e o seu sofisticado motor de inferência lógica, fizemos diversas automações de conteúdo, entregando Documentos Inteligentes, cujo tempo de construção de 5 a 20x mais rápido que a velocidade tradicional de redação de um advogado, além de permitir que o próprio Documento executasse tarefas automatizadas gerasse dados estruturados para BI e troca de informações com outros Documentos Inteligentes.
Porém, na medida em que avançamos em dezenas de projetos de transformação digital do Direito junto com nossos clientes nesses últimos anos, novas oportunidades apareceram.
Poderíamos fazer muito mais, entregando uma análise de dados jurídicos muito mais profunda, bem como toda a gestão e execução do workflow do ciclo de vida de um contrato (Contract Lifecycle Management) e do ciclo de vida de um caso (Project Lifecycle Management).
Para isso, a engenharia jurídica especializou-se e expandiu em diversas práticas, uma mais “legal” do que a outra!
Especializações da engenharia jurídica
As especializações desse novo campo de engenharia jurídica são:
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Engenharia jurídica de conteúdo
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Engenharia jurídica de dados
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Engenharia jurídica de processos
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Engenharia jurídica de negócios
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Engenharia jurídica de conhecimento
Engenharia jurídica de conteúdo
O Direito é essencialmente expresso em linguagem natural (i.e., língua portuguesa ou outras línguas humanas). Conceitos, estratégias e disputas precisam ser representados em um formato estruturado, para que o computador possa “raciocinar” desses elementos.
Para isso, engenheiros jurídicos de conteúdo declaram os sujeitos e objetos que precisam ser manipulados em uma operação, criando componentes, agrupamentos de software que processam segmentos discretos de lógica jurídica.
Por exemplo, no contexto de uma contestação, ao receber como input que da lista de “pedidos” possíveis (obrigações contingentes)em uma disputa judicial, o pedido de “indenização por dano moral” decorrente do “evento X”, um componente de lógica jurídica pode calcular o tempo decorrido entre a data do evento e data de ajuizamento do processo, devolvendo como resultado uma preliminar de prescrição.
Os componentes de programação jurídica contêm dessa maneira uma sequência de instruções, que são limitadas dentro de um bloco e juntas identificadas por um nome (por exemplo, “preliminares processuais”). Todos os componentes de lógica jurídica têm uma função, um contexto e lógica:[70]
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A função de um componente é o que ele faz.
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O contexto de um componente são os elementos que estão sendo executados.
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A lógica de um componente é como ele executa a função.
Mas os engenheiros jurídicos de conteúdo não precisam declarar as entidades e elementos que serão usados naquele desafio específico; em vez disso eles podem usar modelos padronizados, criados por engenheiros jurídicos de conhecimento.
Engenheiros de conteúdo igualmente não precisam se preocupar com a análise agregada de dados que será feita desse conteúdo; ele apenas precisa se comprometer a entregar os dados relevantes que precisam ser extraídos e analisados em um data warehouse para um engenheiro jurídico de dados analisar.
Dessa forma, é possível converter conteúdo jurídico e instalar automações de trabalhos manuais de advogados muito mais rapidamente.
Engenharia jurídica de dados
Ciência de dados é o estudo disciplinado dos dados e informações inerentes ao negócio e todas as visões que podem cercar um determinado assunto. É uma ciência que estuda as informações, seu processo de captura, transformação, geração e, posteriormente, análise de dados.
O engenheiro jurídico de dados é responsável pela formulação dos problemas, escolha de modelos de simulação e estatística, bem como pela entrega dos produtos de dados.
Esses produtos de dados podem vir na forma de ser dashboards visuais, insights sobre o que está ocorrendo em um caso, entrega de dimensões anteriormente não explícitas de um problema, bem como análises de informações agregadas para extrair padrões e estratégias.
Engenharia jurídica de processos
O engenheiro jurídico de processos é o profissional que entende, monitora e automatiza o ciclo de vida e fluxo de trabalho (workflow) de um serviço jurídico, ou seja, os processos de negócio de um serviço jurídico digital.
**Um processo de negócios (método de negócios ou função de negócios) é uma coleção de atividades ou tarefas relacionadas e estruturadas por pessoas ou equipamentos, nos quais uma sequência específica produz um serviço jurídico (serve a um objetivo de negócios específico no Direito) para um determinado cliente ou grupo de clientes. **
Os processos de negócios ocorrem em todos os níveis organizacionais e podem ou não ser visíveis para os clientes. Um processo de negócios geralmente pode ser visualizado (modelado) como um fluxograma de uma sequência de atividades com pontos de decisão intercalados ou como uma matriz de processo de uma sequência de atividades com regras de relevância baseadas em dados no processo.
Os engenheiros de processos são assim os responsáveis por criar especificações detalhadas de projeto e outros documentos, desenvolver automação de fluxos de trabalho com base em requisitos específicos para uma Solução, e garantir conformidade dos padrões de engenharia jurídica de conhecimento entre diferentes módulos, templates e dimensões de automação.
A engenharia jurídica de processos precisa assim entregar a infraestrutura para execução de fluxos e auxiliar com a quebra de silos e barreias informacionais na implementação prática dos projetos dos clientes.
Em seu nível mais fundamental, fluxos de automação consistem em três elementos: medição, controle e atuadores.
Medição – instrumentos conhecidos como sensores fazem as medições e, em seguida, enviam as leituras para o módulo de controle. São os inputs de eventos.
Controle – esse é o “cérebro” de uma sequência de processos de negócio, decidindo quais ações tomar e, em seguida, enviando essas instruções para os atuadores. Os controladores lógicos programáveis (PLC) mapeados em diagramas de fluxos de dados e executados no Looplex Flows.
Atuadores. Na engenharia tradicional existem muitos tipos diferentes de atuadores, como bombas, aquecedores, válvulas de fluxo, pistões, rotores, braços robóticos etc., com cada um executando uma ação diferente. São as saídas ou outputs de um fluxo. Em engenharia jurídica de processos, os atuadores podem ser um componente de envio de e-mails, um serviço de salvamento de dados estruturados de um documento no data warehouse para trabalho pelo engenheiro jurídico de dados, ou a execução de uma tarefa no Looplex Cases.
Engenharia jurídica de negócios
Os engenheiros jurídicos de negócios são os profissionais que implementam a parte de setup e parametrização dos processos de negócio operacionais (não jurídicos) de um departamento jurídico ou escritório de advocacia.
Basicamente, eles cuidam do mapeamento, treinamento, otimização e gestão dos processos ligados à controladoria ou LegalOps (gestão e organização das equipes, distribuição de trabalhos, papeis e responsabilidades, controle de prazos etc.), bem como os processos ligados às atividades de back office ou apoio ao time operacional, como gestão de pessoal (RH), financeiro, faturamento etc. (principalmente para escritórios).
Se pensarmos em um sistema de gestão de casos (ERP) jurídico isoladamente, o engenheiro jurídico de negócios seria o antigo implantador de sistema. No entanto, seu papel evoluiu como engenheiro jurídico de negócios na medida em que todos os fluxos de gestão de casos e gestão financeira estão integrados com um sistema de automação conteúdo, no contexto de uma plataforma de experiência jurídica digital.
Engenharia jurídica de conhecimento
Engenheiro jurídicos de conhecimento são os profissionais responsáveis por criar os modelos e padrões das representações de informações jurídicas em um formato que os demais engenheiros jurídicos podem utilizar-se para resolver as diferentes dimensões de desafios de automação jurídica.
A representação de conhecimento jurídico incorpora várias formas de classificação e raciocínio jurídico, tais como a criação de regras gerais e relações de grupos e subgrupos de problemas jurídicos que podem ser total ou parcialmente solucionados a partir de modelos e componentes pré-construídos.
Em essência, a engenharia jurídica de conhecimento abstrai para uma camada separada parte da complexidade de um desafio de automação, permitindo que os engenheiros de conteúdo, de dados, de processos e de negócios possam implementar uma transformação digital muito mais rapidamente.
Exemplos de representação de conhecimento utilizados pela engenharia jurídica de conhecimento são redes semânticas de relacionamento, arquitetura de sistemas, fluxos de regras componentizados, ontologias, frameworks e topologias de documentos.
Esses modelos são então acessados em diferentes motores de inferência, classificadores e componentes de execução especializados que a Looplex tem em seu stack de tecnologia, de acordo com a necessidade e contexto de cada Solução.
Footnotes
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Chimpanzés, orangotangos e outros primatas têm formas primitivas de Direito, com organizações hierárquicas do grupo, regras sobre como dividir alimentos e quem come primeiro, quem domina as fêmeas, situações em que as crianças tem de ser protegidas e por aí vai. ↩